Falam muito, até falam bem, mas falam por quê?

Créditos: Mazur/cbcew.org.uk

Desde que tenho consciência estive na igreja paroquial todos os domingos com meus pais e avó para assistir à missa. Sempre interessado por tudo aquilo que era católico, desde imagens, músicas, paramentos e orações de antigos manuais de minha avó, cresci ambientado na igreja e logo me engajei no grupo de coroinhas da minha paróquia. Isso foi o início de um longo e contínuo caminho de descobertas, afinal, tenho a característica de necessitar entender de tudo um pouco e de um pouco muito.

Porém, somente em 2007, através de um vigário da minha paróquia tive conhecimento de que a missa que eu assistia não tinha sido daquele jeito desde sempre, mas que pessoas que eu conhecia (vivas ainda) tinham sido batizadas, casadas, ordenadas em outra liturgia. Foi por meio de um vídeo indicado por este padre (que esperei horas para carregar inteiro no youtube na era da internet discada) que paulatinamente descobri um universo novo, bonito e fascinante que me anima até hoje.

Só que cada conhecimento veio junto de um porquê. Alguns eu consegui responder sozinho, outros as fontes dos blogs, os livros em pdf, o conhecimento de italiano e inglês adquirido "autodidatamente" e muitos vídeos de boas liturgias me explicaram. 

Há, contudo, um porquê não respondido até hoje: Por que os padres, os comentaristas, a assembleia falam tanto, e falam de improviso, nas missas?

Pensei que porque as missas são rezadas na língua materna de cada um facilitou os improvisos, já que o domínio da língua, mesmo que não ortograficamente perfeito por todos, dá uma certa brecha para que surjam frases como: "Eis o Cordeiro de Deus, o filho de Maria, que tira o pecado do mundo", "Deus todo-poderoso, tenha compaixão, misericórdia, de nós, perdoe todos os nossos pecados e nos conduza à vida eterna", "O Senhor esteja conosco", "A paz do Senhor esteja, permaneça, habite e reine, sempre e sempre no meio de vós" e tantos outros.

Depois pensei que seria por motivo pastoral, isto é, tornar mais próximo o texto litúrgico do cotidiano, do nível de entendimento dos ouvintes ou mesmo até de piedade pessoal, ou da personalidade, espontaneidade do sacerdote ou do fiel. 

Depois, ainda, pensei que se ninguém corrige tudo isto, é porque pode continuar assim. Mas, aí me vinha o pensamento seguinte e rebatia aquele. No entanto, ainda não tenho uma resposta exata e aplicável ao caso. 

O Papa Bento XVI escreveu, enquanto cardeal, esta frase no seu famoso "Introdução ao Espírito da Liturgia": "A grandeza da liturgia depende (...) de sua não espontaneidade (unbeliebigkeit)". Isto parece óbvio, pelo menos para mim. Mas, para quem não encontrou a obviedade, vou tentar explicar.

Se cremos que a liturgia é o meio pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo deixou para a Igreja a forma de obtermos a comunicação de sua vida, de sua graça, o significado e realização de seu mistério pascal e portanto nos dar a salvação, logo, temos de estabelecer uma fórmula para que saibamos aquilo que cremos e possamos assim transmitir aos outros esta oração (cf. §1076 e 1085, Catecismo da Igreja Católica), daí nasce o rito. 

Seguindo o rito com as suas palavras exatas e seus gestos, estaremos cumprindo a vontade de Nosso Senhor de O adorarmos em espírito e em verdade, do jeito que o Pai deseja (cf. Jo. 4, 23). Por outro lado, cada vez que adicionamos, retiramos ou substituímos palavras, criamos nossa liturgia e deixamos de obedecer à Igreja que, como esposa, se dirige ao seu Esposo, fazendo-nos como que amantes Dele que só querem ser melhores que a esposa. 

Não há problema algum que nas nossas orações pessoais, quando nos comunicamos com Deus, que usemos de nossas palavras, como quando após a comunhão, em ação de graças, pedimos, agradecemos, expiamos e nos utilizamos daquilo que vem, por obra de Deus mesmo, que age em nós para falarmos com Ele. O problema surge quando fazemos as nossas palavras, em alta voz, serem as palavras da liturgia, tornando aquilo subjetivo a tal ponto de se tornar uma oração pessoal.

Por que falam tanto? Por que querem alterar textos tão bonitos, ricos e já auto explicativos? Por que será que nos custa muito sermos humildes a ponto de esquecermos nossas preferências e simplesmente lermos o que está escrito? Acho que nos causaria mais espanto o leitor substituir as palavras da primeira leitura, por exemplo, do que o sacerdote mudar partes da oração eucarística, porque estamos tão anestesiados e acostumados com uma adaptação à criatividade constante dos sacerdotes e de determinados locais, que criaram seus próprios textos litúrgicos e costumes, que o texto oficial passa a ser rígido, seco e até mesmo cansativo.

São muitas palavras ditas nas nossas igrejas, embora possamos ver que apesar dos textos litúrgicos não serem tão longos, só aumentam a cada improviso. São palavras ao vento até, porque já são tantos aqueles que vão somente para cumprir uma obrigação, que acabam também sendo sommeliers de missas  (como disse o padre José Eduardo no instagram) mas daquelas missas ou daqueles padres que não falam tanto.

Em determinados momentos a liturgia moderna prevê silêncio, como após a homilia e a comunhão; mas estamos tão preocupados que o silêncio seja na verdade algo que está errado (que o microfone não funcionou, que alguém se esqueceu de falar no momento, ou que cochilaram), que quando "escutamos o silêncio" nos inquietamos porque está demorando muito para continuarmos a celebração.

Precisamos parar de falar, de improvisar, de querer melhorar a oração da Igreja para aprendermos a melhorar a nossa oração.

Espero ter conseguido explicar e dividir com quem, por ventura, vier a ler esses meus pensamentos transcritos, que quando queremos falar demais na liturgia, deixamos de falar de Quem deveríamos, para falar sobre o que queremos.

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