MEMÓRIAS DE ALTAR E JUVENTUDE: os encontros com Dom Adalberto.
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Dom Adalberto e eu ao final da missa da Festa do Preciosíssimo Sangue, 01/07/2012 |
Existe uma certa tendência de canonização das pessoas quando elas morrem; isto pode se dar pela esperança da salvação ou até mesmo pela incompreensão da salvação oferecida por Cristo aos homens. Contudo, isto não é o assunto que quero discorrer.
Proponho-me a narrar alguns aspectos da minha juventude enquanto coroinha na missa da forma extraordinária do Rito Romano, especialmente quando tinha de relembrar - ou até mesmo ensinar na hora - os gestos e frases da celebração a Dom Adalberto Paulo da Silva, bispo-auxiliar emérito da Arquidiocese de Fortaleza que faleceu nesta semana aos 96 anos, depois de um longo período de convalescença.
Como já retratei em alguns outros textos, durante o tempo em que servi ao altar, ganhei certa responsabilidade de auxiliar mais de perto os sacerdotes que celebravam a missa tridentina na minha cidade, pois esta ocorria na minha paróquia, onde já era coroinha desde dezembro de 2004.
Em 23 de novembro de 2008, quando tinha doze anos, tive a oportunidade de ajudar Dom Adalberto em sua primeira missa tridentina desde a Reforma Litúrgica. O bispo já tinha quase cinquenta anos de sacerdócio, tendo sido ordenado em 1956 e por isso conhecia o latim, entendendo o que deveria dizer (texto litúrgico) e fazer (rubricas do missal). Entretanto, o missal não fica aberto nas páginas do Ordo Missae (as partes fixas da missa), pelo que foi necessário que eu lhe recordasse de pequenos detalhes, como os frequentes beijos do altar e os tons de voz.
Ora, eu era um menino de doze anos e ele um homem de 79 anos, com quase 50 destes de sacerdócio e 33 de episcopado. A fórmula para a mínima desconfiança estava posta. Contudo, o bispo me disse: “Pode me ajudar, viu?” e eu respondi: “Tá bom”. A ingenuidade e a humildade estavam juntas naquele momento.
Durante a última missa dominical do tempo per annum (tempo comum), que na liturgia moderna era a de Cristo-Rei, Dom Adalberto pensava que também iria celebrar esta festa, mas ao ver os paramentos verdes logo perguntou se não existia essa missa na liturgia antiga, quando respondi que esta já tinha ocorrido em outubro.
Ainda na celebração, precisei recordá-lo de falar baixo por diversas vezes. Talvez o costume de rezar sempre com microfone na atualidade e quase tudo de maneira audível para os fiéis seja a razão da minha insistência: “Voz baixa, Dom Adalberto”.
Foi em 2014 que tivemos maior frequência nas suas celebrações. De todos os padres que conheciam e que tinham celebrado a missa antiga em Fortaleza, somente ele estava na cidade naquele ano. À época, a missa foi deslocada para a Capela de São Bernardo, no Centro. Assim, com maior frequência em celebrar a missa, a intensidade das minhas intervenções foi diminuindo e Dom Adalberto conseguia lembrar-se mais dos gestos e das frases.
Lembro-me, ainda em 2014, da celebração da missa da Festa da Purificação de Nossa Senhora, em que ele distribuiu todas as velas (umas 100) para os fiéis e ainda fez uma pequena procissão para, depois, celebrar a missa, que fez questão de cantar do início ao fim. Ao final, na sacristia, me disse com típica voz forte: “Rapaz, quase que o velho morre!” e recordo ainda da sua anedota de sempre “Com a mitra, o peso é maior e o custo também” (o custo era referente a espórtula; mas o valor era o mesmo em todas as ocasiões).
Outra vez, ao final da Missa da Festa do Preciosíssimo Sangue de Jesus, em 1º de julho de 2012, disse na sacristia para mim e para outros rapazes que lá estavam, que não recordava como era bela essa festa e quão importante ela era.
Bem. Há muitos outros episódios que recordo (em geral, tenho uma memória muito boa para esses assuntos, como minha esposa já me disse milhões de vezes), mas para terminar queria dizer de um que me marcou bastante. Ao final de toda missa, Dom Adalberto sempre trocava a camisa clerical que usava, porque ficava encharcada de suor. Certa vez, ao trocá-la e sair do banheiro, disse algo como isto:
“Olha, essa missa cansa o padre, mas ele sempre sai renovado porque está alegre com a sua juventude” e citou a frase “Ad Deum qui laetificat juventutem meam”.
Encerro com esse pedido confiante que a Igreja nos dá nos lábios em sufrágio dos que morrem: “Anima ejus et animae omnium fidelium defunctórum, per misericórdiam Dei, requiescant in pace. Amen”.
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Essa foi a primeira missa antiga de Dom Adalberto, enquanto bispo, em 23/11/2008 |
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Dá pra ver aqui a ponta da capa da imagem de Cristo-Rei exposta no presbitério da paróquia de São João Batista do Tauape, em 23/11/2008. |
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Nesta foto, a missa no Tempo Pascal do ano de 2014 na Capela de São Bernardo. |
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Missa do Primeiro Domingo da Paixão, na Capela de São Bernardo, em 2014. |
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Missa da Festa da Purificação de Nossa Senhora, 02 de fevereiro de 2014, no salão paroquial. |
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